Uma pequena ilha rochosa, escarpada, sem praias e de difícil acesso, localizada a 35 km do litoral de São Paulo, entre as cidades de Peruíbe e Itanhaém, tem chamado a atenção ao longo dos último cinco séculos por uma característica insólita: é habitada quase que exclusivamente por uma espécie de cobra, a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis).

BBC Brazil

A Ilha da Queimada Grande, conhecida como Ilha das Cobras, se destaca ainda por ter a segunda maior concentração desses animais por área no mundo: cerca de 45 cobras por hectare – mais ou menos equivalente ao tamanho de um campo de futebol –, perdendo apenas para a Ilha de Shedao, na China.

Com comprimento e largura máximos de 1.500 e 500 metros, respectivamente, e altitude que não supera os 200 metros, a Ilha das Cobras, de 43 hectares, foi descoberta em 1532, pela expedição colonizadora de Martim Afonso de Souza

De acordo com as biólogas Karina Nunes Kasperoviczus, hoje na Universidade de Sydney, na Austrália, e Selma Maria de Almeida-Santos, do Instituto Butantan, provavelmente Afonso de Souza e seus oficiais protagonizaram o primeiro caso de depredação do local.

No artigo científico Instituto Butantan e a jararaca-ilhoa: cem anos de história, mitos e ciência, publicado nos Cadernos de História da Ciência, do Instituto Butantan, elas contam que, de passagem pela costa sudeste do Brasil, os navegadores aportaram na ilha, caçaram diversas fragatas e mergulhões e, antes de voltarem aos navios, receosos de má sorte, atearam fogo no local.

Não existe, no entanto, registro de que durante a permanência por lá Martim Afonso de Souza e seus homens tenham tido qualquer contato com a Bothrops insularis.

Segundo Karina e Selma, a prática de atear fogo à ilha se tornou corriqueira algum tempo depois. “No final do século 19, a Marinha do Brasil implantou um farol lá, cuja manutenção era realizada por faroleiros que residiam no local”, escrevem.

“Com medo das serpentes, a própria Marinha colocou por diversas vezes fogo na mata na tentativa de acabar com a população excessiva delas. O nome ‘Queimada Grande’ é resultado dessas recorrentes queimadas, que, por vezes, eram tão fortes que podiam ser avistadas do continente.”

Evolução

A história da Ilha das Cobras é bem mais antiga, no entanto. Ela se formou no final da última era glacial, há cerca de 11 mil anos, quando o nível do mar subiu, separando aquele morro (que fazia parte da Serra do Mar) do continente, transformando-o numa ilha e isolando uma população de jararacas comuns (Bothrops jararaca).

Ao longo dos milhares de anos seguintes, a espécie se diferenciou de suas parentes de terra firme e se transformou na Bothrops insularis.

Segundo o pesquisador e especialista em animais peçonhentos Vidal Haddad Júnior, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o isolamento e as condições geográficas da ilha lentamente contribuíram com a seleção das características mais favoráveis ao ambiente, criando uma espécie diferente das jararacas continentais.

“Ela é menor e menos pesada, para facilitar sua locomoção e a caçada diurna nas árvores”, explica. “Sua cauda adquiriu capacidade preênsil (ou seja, de se agarrar a algo) e a dentição ganhou um aspecto mais curvo, para prender as aves mais facilmente e não soltá-las enquanto o veneno age.”

Por ser uma cobra que vive sobretudo em árvores (ou arborícola), a jararaca-ilhoa desenvolveu outras características evolutivas únicas.

“Sua pele se tornou mais elástica do que a de suas parentes do continente, uma vez que ela sobe em árvores”, explica Otávio Marques, pesquisador e diretor do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, que realizou várias pesquisas com essa serpente.

“Além disso, como ela ergue mais a cabeça, seu coração fica mais próximo dessa parte de sua anatomia, para bombear com mais facilidade o sangue para o cérebro.”

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